quarta-feira, junho 14, 2006

Hino ao mau jornalismo

O jornal Público publicou, no dia 12 de Junho, um artigo sobre uma indiana a quem foi recusada a nacionalidade portuguesa, apesar de ser casada com um português e ter 2 filhos portugueses.
O título do artigo é "Juízes recusam nacionalidade a quem não sabe o hino", e o subtítulo é "Indiana casada com português desde 1997 viu ser-lhe recusada a pretensão de ser portuguesa por desconhecer factos revelentes [sic] de história ou da cultura".

Quem se der ao trabalho de ler todo o artigo, ou mesmo o acordão do tribunal, rapidamente percebe que o desconhecimento do hino nacional é apenas um dos muitos argumentos apresentados pelo tribunal:

A… não tem quaisquer conhecimentos da História de Portugal.
A… desconhece qualquer personalidade ligada à cultura portuguesa.
Não consegue indicar – com conhecimento mínimo da sua biografia - qualquer figura que se tenha evidenciado nas áreas literária, política, social, desportiva, artística portuguesas.
A… desconhece o hino nacional, não fazendo qualquer ideia quanto à respectiva letra ou música.
A… não tem ideia acerca dos usos e costumes tradicionais portugueses, em qualquer área.
A… tem uma ideia muitíssimo vaga da realidade política actual portuguesa, desconhecendo a esmagadora maioria dos respectivos intérpretes, bem como o regime político vigente e seus antecedentes.


Apesar de o subtítulo do artigo ser um pouco mais exacto do que o título, todos sabemos como este é que é lido, relido e trelido, copiado e divulgado, e discutido à mesa dos cafés. Rapidamente, outros orgãos de comunicação social seguiram a receita. A TSF diz "Nacionalidade rejeitada a indiana por não saber hino", o PortugalDiário populariza para "Não sabe o hino? Não é português".
O próprio Público, dois dias mais tarde, volta a pegar no tema com um inquérito de rua bastante elucidativo - "Concorda que se recuse a nacionalidade a quem não saiba o hino nacional?" -, com os resultados expectáveis.


Posto isto, dois pensamentos:

1) A atitude dos media, não sendo surpresa, é simplesmente deplorável. O jornalismo não precisa destes exemplos, anteriormente exclusivos do "Crime" e do "24 Horas". O chamado "jornalismo de referência" rapidamente deixa de o ser, pois a credibilidade não se compadece com este tipo de atitudes.

2) A decisão do tribunal também não me merece simpatia. Por mais defensável que seja do ponto de vista estritamente legal, eu não a apoio. Concordo que deve haver vários critérios, para além do casamento, para atribuir a nacionalidade portuguesa, e a integração social é um desses critérios. Já o saber o hino ou conhecer a realidade histórica e política é questionável, especialmente se pensarmos nos largos milhares de portugueses que estarão no mesmo nível de ignorância. Deveriam perder a nacionalidade por causa disso?
Acima de tudo, parece-me que é uma decisão que peca por falta de humanismo. Que sentido faz uma mulher casada com um português, com filhos portugueses, a viver e a trabalhar legalmente em Portugal, não poder aceder à nacionalidade portuguesa? Já imaginaram a humilhação desta mulher no aeroporto de Lisboa, a ver o resto da família a passar rapidamente pelo guichet reservado a nacionais da União Europeia, enquanto ela espera e desespera na fila ao lado, é revistada dos pés à cabeça, vê a respectiva bagagem aberta e inspeccionada em pormenor?
Senhores, haja decência! Os orgãos de poder, especialmente os executivos, devem ser os primeiros a mostrar flexibilidade perante casos destes. Exige-se justiça, e não autoritarismo.

6 comentários:

Em 18 junho, 2006 22:55, Anonymous Anónimo disse...

O que seria da nossa identidade se deixássemos de ser originais?...
Quando o bom senso se vender em pílulas (fabricadas nalgum país distante...) talvez adquiramos umas caixitas...

 
Em 06 julho, 2006 15:01, Anonymous Anónimo disse...

Com os mesmos pressupostos em que assentou a crítica ao jornal, não valeria a pena proceder à leitura da lei antes de criticar a decisão.Os tribunais não fazem lei.Aplicam-na.

 
Em 06 julho, 2006 18:21, Anonymous Anónimo disse...

Vejo que é dos que gostariam de alargar as fronteiras pela via da nacionalidade...
O "português" era antes "queniano", a esposa do gujerat provavelmenta ambos muçulmanos.Os filhos já são portugueses.Há que manter sempre , mesmo que por via importada uma boa dose de pobres que é para haver votações favoráveis e haver com quem dividir o "surplus" orçamental...

 
Em 07 julho, 2006 13:21, Blogger Abruxo disse...

Embora a questão essencial seja a qualidade do "jornalismo de referência" dos nossos dias, aqui sobejamente retratado...
deve haver normas claras na atribuição da cidadania portuguesa que não permitam o oportunismo de dois pesos e duas medidas na sua aplicação, só porque nos dá jeito em algumas circunstâncias.
A título de exemplo:
Terão aplicado o mesmo inquérito cultural e/ou pediram ao Francis Obikwelo ou ao Deco e outros futebolistas da nossa praça (com todo o respeito que eles me merecem) para cantar o Hino Nacional?
Saberão eles quem foi o primeiro rei de Portugal ou quem foi o Infante D. Hentique?
Estou em crer que não.

 
Em 08 julho, 2006 17:03, Anonymous Anónimo disse...

Com tanta iliteracia em Portugal, haverá outra forma de dar as noticias que não seja por frases curtas e slogans?

 
Em 12 julho, 2006 17:17, Blogger astrid disse...

Naif presta um bom serviço à comunidade ao publicar "isto".

Esta notícia tb é naifismo (não é do tipo do seu, que é de divulgação, bem intencionada)
O deles é um exercício de maldade e mediocridade, onde o destino lusíada, cada vez mais, brilha.
É pena !

 

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