quinta-feira, abril 13, 2006

Responsabilidades no caso dos maus tratos a deficientes

Esta semana gerou-se uma enorme polémica à volta de um caso relativo a alegados maus tratos sobre crianças deficientes.
É um caso complexo, e deixo uma análise mais detalhada para quem tem conhecimentos e formação suficientes para tal.

Mas há alguns factos que vale a pena analisar.
A senhora era responsável por um lar onde habitavam 15 crianças portadoras de deficiência mental. A senhora só tinha a 4ª classe, não tendo formação nem experiência para lidar com crianças deste tipo. Trabalhava das 7h às 23h, com uma única folga semanal. Dormia no mesmo lar, tendo muitas vezes de trabalhar à noite, quando a auxiliar que fazia o horário nocturno não conseguia lidar com as crianças.
Ponham-se no lugar da senhora, e tentem viver 10 anos nesta situação. Alguém tem dúvidas que, ocasionalmente, perderia o auto-controlo? Que, psicologicamente, iriam fraquejar em momentos mais difíceis?

Não pretendo acusar nem ilibar a senhora. O que eu não percebo é como, no meio de tanta polémica, nunca tenha sido focado o papel da instituição responsável pelo lar - a Associação de Pais e amigos do Cidadão Deficiente Mental, de Setúbal.
Um organismo que lida com crianças deficientes; que nomeia como responsável de um lar uma pessoa sem habilitações para tal; que põe essa pessoa a trabalhar em condições desumanas. E, no fim, não é tida nem achada neste caso?
É impressão minha, ou há algo de terrivelmente errado em tudo isto?


Nota: Para quem não se quer limitar ao que dizem os jornais, podem ler o acordão do Supremo aqui.

6 comentários:

Em 13 abril, 2006 10:18, Blogger GBorges disse...

Podemos olhar com detalhe para a situação da senhora e encontrar argumentos que tentem justificar tal tipo de comportamentos. Tal como referiste, e estou de acordo contigo, encontramos atenuantes, mas que não invalidam a incorrecção das acções. E sem dúvida que a instituição, como responsável ultimo, deve ter uma grande quota-parte de culpa, desde a contratação de alguém inadequado ao serviço como pelas condições e horários de trabalho precários.

O preocupante, a meu ver, é mesmo a decisão do supremo tribunal, que abriu um precedente muito perigoso. A partir do momento em que a violência pedagógica é dada como necessária na educação do nossos filhos, qual é agora a fronteira legal entre correctivo educativo e violência doméstica? Será que o correctivo deve ser adequado de acordo com o grau de incomportamento? Se um nosso filho se portar mesmo, mesmo mal, teremos legitimidade para o por a pão e água? Como se definem estes limites? Entramos num caminho muito tortuoso...

Como principio basilar, a violência (física e psicológica) deve ser repreendida (o que não foi o caso) e evitada (sempre que possível) de forma a impedir excessos. Mas como em tudo na vida, tudo depende do bom senso de cada um...

Abraço

 
Em 13 abril, 2006 10:40, Blogger naïf disse...

O aspecto que tu focas é aquele que tem gerado toda a polémica. Obviamente que também tenho opinião sobre a matéria, mas o que eu pretendi focar é um aspecto que tem estado arredado de toda a discussão, e que é a responsabilidade da instituição.
Julga-se (e bem) a "arraia miúda", mas iliba-se as pessoas que são, efectivamente, responsáveis pela situação.

 
Em 14 abril, 2006 03:47, Anonymous Anónimo disse...

Alguns considerandos...
1.É uma associação de Pais
2.Imagino que se trate de uam associação sem fins lucrativos. A contratação de alguém mais qualificado poderia estar para além das suas capacidades financeiras e não uma questão de lucro...
3. Não foi a associação, ou algum dos seus dirigentes, que infligiu ou instigou os maus tratos às crianças
4.A associação terá sido negligente, eventualmente complacente, mas nem por isso deixa de ser a instituição responsável por dar um tecto, refeições, acompanhamento médico, e provavelmente outros cuidados a essas 15 crianças.

 
Em 14 abril, 2006 11:44, Blogger naïf disse...

pedro,
A Associação assumiu voluntariamente a responsabilidade de cuidar de crianças deficientes. Compete-lhe garantir o bem estar das crianças, e responder perante os pais desses crianças, e perante a sociedade, caso esse bem estar seja posto em causa.
O que eu vejo neste caso é a desresponsabilização total da associação, e é isso que não entendo.

 
Em 14 abril, 2006 18:55, Anonymous Anónimo disse...

A questão põe-se perante o ter mão-de-obra barata ou de qualidade.
Mostramos assim o nosso baixíssimo nível cultural!
Pessoas que se dispõem a discutir este assunto podem sensibilizar os que poderão alterar o futuro de quem não foi feliz na hora de vir ao mundo dos vivos!

 
Em 14 abril, 2006 23:17, Anonymous Anónimo disse...

Estas associações são criadas porque o Estado não resolve problemas gravíssimos que as famílias dos pobres seres doentes sofrem em cada momento.
Imaginam quantas mães tiveram de deixar de trabalhar por não ter onde deixar o filho totalmente dependente?
Essas associações são criadas pelos próprios pais dessas pessoas e por amigos que conhecem os graves problemas a que estão sujeitos.
Depois têm enormes dificuldades em as ter de pé. Eu conheço de perto o que se passa em Coimbra e sei que foram necessários muitos anos para se construir um espaço e para pagar a profissionais preparados e adquirir os bens de cada dia. A comparticipação do Estado é tão mínima que os pais desses seres vivem em permanente abalo.
Em Coimbra, neste momento, há um conjunto de doentes mentais com pais que ultrapassaram os 60 anos, que não dormem uma noite seguida desdes que esses filhos nasceram e ainda não conseguiram apoio para criar uma casa em que os filhos fiquem quando os pais morrerem. E se ouvissem relatos de pais sem escolaridade cuja vida foi destruída por terem de, sozinhos, "resolver" um quotidiano feito de verdadeiro horror, compreenderiam que tudo é muito difícil de analisar e muito mais de julgar.
Só a comunicação social é lesta nas análises e nas condenações. Tenhamos o cuidado de não nos deixarmos conduzir por estes fazedores de opinião tão medíocres e tão mal formados e peguemos nestas matérias com pinças, ponderação e delicadeza.

 

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